Apesar das acusações de genocídio, de dezenas de milhares de mortes e de uma crise humanitária sem precedentes, a guerra na Faixa de Gaza completa dois anos nesta terça-feira (7) com o quadro mais promissor para a implementação de uma trégua duradoura desde o início do conflito, em outubro de 2023.
Pressionados por Donald Trump e por países árabes e muçulmanos, representantes de Israel e do grupo terrorista Hamas iniciaram nesta segunda-feira (6), no Egito, uma nova tentativa para discutir os detalhes do plano de paz proposto pelos Estados Unidos. O texto prevê, entre outros pontos, a libertação dos reféns ainda mantidos sob o poder da facção e a retirada gradual das tropas israelenses do território palestino.
Após meses de impasse e sem perspectivas de cessar-fogo, diplomatas afirmam que a exaustão militar, o colapso das condições de vida e a crescente pressão internacional criaram um ambiente em que a paz voltou a ser uma possibilidade real.
"Sim, Israel está [diplomaticamente] mais isolado hoje", afirma à Folha a coronel da reserva Pnina Baruch, israelense que fez parte de equipes de negociação com palestinos. "Mas, se houver um acordo e a guerra terminar, isso pode mudar."
Baruch, que também integra o Instituto de Estudos de Segurança Nacional, da Universidade de Tel Aviv, diz que o distanciamento internacional é resultado de um processo que mistura uma campanha de deslegitimação de Israel, a ascensão de um discurso simplificador nas redes sociais e uma gestão política que falhou em explicar essa complexidade ao mundo. "Há uma tendência de enxergar tudo em preto e branco, vítima e agressor, bons e maus."
Ao mesmo tempo, ela diz que o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, o mais à direita da história do país, agrava a situação ao adotar durante o conflito uma retórica "combativa e racista", nas palavras dela. "Temos ministros que falam em ‘apagar Gaza’ e ‘expulsar palestinos’. Isso dá munição a quem nos acusa de genocídio", diz.
Baruch se refere, sobretudo, aos ministros extremistas Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, que sustentam a coalizão de Netanyahu e que, ao longo do conflito, manifestaram-se várias vezes de forma contrária ao fim da guerra. Em relação à proposta de Trump, eles afirmaram que aceitar o plano seria como assinar um acordo de rendição e reconhecer a derrota de Israel no campo de batalha.
Netanyahu, por sua vez, equilibra-se entre a ameaça de colapso de sua coalizão e os protestos diários que exigem o fim dos ataques em Gaza e a assinatura de um acordo para a libertação dos reféns.
As denúncias de genocídio também se intensificaram, impulsionadas pela conclusão de uma comissão de inquérito das Nações Unidas que apontou o crime em Gaza. O governo israelense rejeitou o relatório, chamando as informações de "falsas e politizadas".
Para analistas, o contexto internacional ajuda a explicar o novo impulso por uma trégua. O isolamento de Tel Aviv, diz Ralph Wilde, professor de direito internacional do University College London, reflete uma mudança gradual na disposição de governos ocidentais em tolerar o que ele descreve como um padrão persistente de ilegalidades.
Para o professor, muitos países apenas agora começam a reconhecer a extensão dessas violações. "O que vemos é uma reação tardia e parcial. Há uma preocupação crescente com o bloqueio de Gaza e com a violência dos colonos na Cisjordânia."
Endossar o plano de Trump, nesse contexto, é um passo na direção certa, afirma Baruch, a militar da reserva israelense. O Hamas aceitou na sexta-feira (3) partes da proposta e, no mesmo dia, o gabinete de Netanyahu afirmou que "Israel está preparado" para a implementação imediata da primeira fase de um eventual acordo.
Várias questões, no entanto, continuam sem solução, incluindo se o Hamas aceitará se desarmar, uma das principais exigências de Israel.
Não à toa, o biólogo e ativista palestino Mazin Qumsiyeh, da Universidade de Belém, na Cisjordânia, manifesta ceticismo sobre a eficácia do plano, que ainda prevê a criação de um governo tecnocrático palestino. "É um plano de farsantes. Trump é um criminoso de guerra, e Netanyahu quer transformar Gaza em negócio imobiliário."
Para ele, a paz só será possível com o que chama de "descolonização real". "Você não pode acabar com uma guerra enquanto um sistema racista permanece no poder", diz. Ele rejeita também a solução de dois Estados, defendida há décadas pela ONU. "Essa ideia é uma miragem. Não quero um Estado palestino fictício; quero que o mundo boicote Israel, como fez com o apartheid na África do Sul."
A guerra começou após o mega-ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, quando terroristas invadiram o sul de Israel, mataram cerca de 1.200 pessoas e sequestraram mais de 250. Desde então, a ofensiva israelense devastou Gaza, provocando uma catástrofe humanitária. Segundo o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas, mais de 67 mil palestinos morreram, e a maioria da população vive hoje em abrigos improvisados, sem acesso regular a água potável, energia ou medicamentos.